A segurança pública é um dos maiores desafios enfrentados pelas sociedades contemporâneas, isso do mais ao menos evoluído dos países tomando como base as questões socioeconômicas. No Brasil, o debate sobre o aumento da criminalidade e a sensação de impunidade é constante, inclusive na pesquisa Quaest divulgada agora no final de março/25 aparece a criminalidade em primeiro lugar como o maior problema em nosso país.

Frequentemente as discussões estão centrando-se na atuação das polícias e na necessidade de investimentos em infraestrutura e inteligência. Em paralelo o governo, como única medida, segue tentando trabalhar na PEC da segurança pública, que segue presa em burocracias e que pouco se discute no texto as soluções efetivas e de curto prazo para o combate ao crime. No paralelo do paralelo projetos diversos seguem sendo apresentados e sem evolução. Temos um descontrole evidenciado, assim como falta de urgência e como resultado vidas perdidas.

No entanto, sob a ótica da segurança pública, a verdadeira chave para a solução da crise reside no Judiciário.

O Sistema de Justiça Criminal tem um papel essencial, através da formulação de políticas públicas, que garantam a aplicação efetiva das leis, de forma justa, imparcial e célere. A punição aplicada deve ser proporcional ao ganho auferido ou pretendido pelo criminoso. Quando esse papel não é exercido de maneira eficiente, cria-se um ciclo de impunidade que favorece a criminalidade.

A morosidade processual e o excesso de recursos são problemas já conhecidos, mas nos últimos tempos o que mais compromete a eficácia do combate ao crime é a leniência do Sistema de Justiça Criminal. Os criminosos gozam cada vez mais de benesses jurídicas, como liberdade provisória, audiências de custódia sem critérios rigorosos e progressão de pena, que causam baixo custo à criminalidade, através de punição desproporcional e da ampla impunidade, favorecendo a reincidência e o aumento da criminalidade.

Quando criminosos percebem que dificilmente serão punidos ou que, caso condenados, poderão obter reduções expressivas de suas penas e cumprir pouco tempo de detenção, o crime se torna uma alternativa vantajosa. O que antes era um registro a ser ocultado em abordagens policiais hoje se tornou uma espécie de “currículo criminal”. Policiais, ao realizarem prisões recorrentes de determinados indivíduos, passaram a relatar a quantidade de passagens pelo sistema prisional, evidenciando uma falha sistêmica e, muitas vezes, um pedido implícito de mudança no Judiciário.

De acordo com informação divulgada pelo Ministério da Justiça, no primeiro semestre de 2024, o Brasil possuía uma população carcerária de mais de 663 mil custodiados em celas físicas. Somente no Estado de São Paulo, desde janeiro de 2023 foram mais de 426 mil pessoas presas, valor que supera 60% da população carcerária do país, sendo que grande parte dos presos foram liberados nas audiências de custódia.

De acordo com os dados atualizados até setembro do ano passado no Sistema de Audiência de Custódia (Sistac), do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), desde que o procedimento foi implementado, foram realizadas 1,7 milhão de audiências de custódia no Brasil. Dessas, em 678,6 mil (39,4%) foi concedida liberdade. 

A polícia prende, prende bem e muito, mas a quantidade “de prisões” e velocidade “no desencarceramento” beira a irracionalidade.

O judiciário que deve ser apartidário, sem ideologias e não midiático, hoje ocupa no mínimo a terça parte das notícias dos principais jornais e mais, trazendo opiniões pessoais de autoridades públicas que destoam da ideia de uma justiça cega (imparcial); não me lembro disso em outros tempos; isso sinaliza que o foco está desajustado.

A credibilidade do sistema de justiça é um pilar fundamental para a eficácia das forças de segurança. Sem um Judiciário firme e comprometido com a aplicação rigorosa da lei, o trabalho policial perde efetividade. A sociedade brasileira não pode ser refém de um cenário de desordem; assim como em qualquer país desenvolvido, a aplicação rígida da legislação penal, seja por meio de sanções financeiras ou da privação de liberdade, gera um efeito dissuasório para marginais de todas as classes sociais.

A atuação policial na repressão ao crime continuará sendo indispensável, mas cabe ao Judiciário garantir que criminosos sejam devidamente punidos e cumpram suas penas de maneira justa e eficaz. Um sistema judicial ágil, comprometido com a aplicação rigorosa das leis, é a peça-chave para que qualquer investimento em segurança pública produza os resultados esperados. Sem isso, o ciclo de impunidade se perpetua, comprometendo a ordem e a segurança da sociedade.

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Por Carlos Guimar (Especialista de Segurança Pública e Privada, CSO SafeCompany) e Vitor Andrade (Especialista de Segurança Pública e Privada, Gerente de Inteligência na Rumo Logística).

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